segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Uma carta ao Basil


Esperança-NE, 2 de setembro de 2016.
Prezado Brasil

Meu nome é João, sou um brasileiro, nordestino e sertanejo por derradeiro, filho do meio de seu José Francisco e de dona Maria da Silva. Estou lhe escrevendo, porque tenho ouvido muita coisa sobre o nosso país, algumas delas que não consigo entender direito, pois o que vejo é bem diferente do que andam falando por aí, principalmente na televisão.
Veja só, Brasil, dos 5 filhos de seu José e de dona Maria três, os mais novos, ainda moram na mesma fazendola. O mais velho foi para o sul do país e o encostado a ele foi para a capital. Os dois partiram em busca de uma vida melhor longe daqui. Os que ficaram foi porque a vida mudou e é bom que se diga, para melhor. As coisas continuam difíceis, é verdade, porém não se parecem nem um pouco com as histórias que meus pais nos contam.
Meus avós, tios e pais, na época em que eram jovens não tinham muita opção: ou viviam da roça, nessas terras secas da região, trabalhando nas frentes de emergência durante a seca, ou iam para cidade grande, lá pelas bandas de São Paulo em cima de um pau-de-arara carregando as tralhas num matulão. 
Hoje a minha vida e a de meus irmãos mudou bastante. Embora a nossa propriedade seja a mesma, estamos conseguindo enfrentar a estiagem. Temos uma cisterna para armazenar a água da chuva, construída do lado da nossa casa por um programa de combate a seca do governo, que fez com que aquelas longas caminhadas pela caatinga em busca do precioso líquido diminuíssem muito. Agora só para levar a criação para beber é que vamos a um açude a umas léguas de distância.
Nós ainda ajudamos nossos pais na roça e com os animais, porém eles fazem questão de nós estudarmos. É bom que se diga que estou estudando num Instituto Federal aqui na sede do município, fazendo o curso de técnico em agropecuária. Eu já estou me preparando para o Enem, pois quero entrar na universidade pública daqui da região e me formar em agronomia. Meu pai diz que serei o primeiro “doutor” da família para orgulho de todos.
Quando éramos menores a situação era bem pior e nós tivemos que contar com uma ajuda financeira do governo através de um programa social. Agora, por já conseguirmos nos sustentar através da venda do leite de nossas cabras e do que conseguimos produzir no roçado, deixamos essa ajuda para quem precisa mais do que nós. Meu irmão, encostado a mim, está  fazendo um curso de capacitação através Pronatec para aprender a cuidar melhor da criação e da plantação. E olha que ele já aprendeu muitas coisas que vêm ajudando a mudar a nossa realidade.
Por isso, Brasil, não consigo entender o que muitas pessoas andam falando por aí. Pelo que elas dizem parece que o fim do mundo está próximo, que não há mais esperança para o nosso país. Talvez seja, penso eu, porque a vida delas não mudou tanto quanto a nossa. Olha, no ano passado, meu irmão mais velho e a família dele vieram nos visitar. Até a capital, eles viajaram de avião. Depois pegaram um ônibus até minha cidade. Meu pai chegou a falar sem conter o espanto diante da realidade em que viveu um dia: “tinha quem dissesse que um filho meu um dia ia poder viajar de avião e um outro ia estudar para ser doutor?! Se alguém me contasse, eu não acreditaria!”
Brasil, como nós podemos dizer que as coisas não avançaram e só pioraram? Não dá para falar isso.  Mas é certo que existem muitas coisas erradas, muita gente desonesta nas rédeas do poder. Também não se pode esconder que muitas pessoas endinheiradas não se contentam com o que têm e querem cada vez mais, não importando o que tenham que fazer para isso. Não se pode ignorar também que há muito a fazer para que nosso país seja uma nação de oportunidades iguais para todos e que de fato que ele se torne essa “mãe gentil”, de que fala o Hino Nacional. Porém, Brasil, não é destruindo tudo o que conseguimos de avanço que vamos acabar com os problemas que existem. Quem comia “acém” e passou a comer uma carne “melhor”, não vai aceitar voltar ao velho cardápio, vai querer é “filé mignon”.
Quero que as coisas continuem mudando, mas quero ser ouvido. Não aceito mais que decidam por mim qual vai ser meu futuro. Eu quero fazer minhas próprias escolhas, pois não foi só meu vocabulário que mudou, Brasil, eu agora aprendi a pensar e descobri que não tenho só deveres mas também DIREITOS, que não aceito que sejam negados.
Um abraço esperançoso de quem vai continuar acreditando e lutando por um país melhor e mais justo.

João Brasileiro da Silva