Vivi um exemplo, há poucos dias, do que a falta de inspiração pode produzir na composição de um texto. Senti-me, de certa forma, envergonhado em ser seu autor. Questionei-me sobre o mesmo e só encontrei uma resposta: a motivação errada para escrevê-lo. A tristeza, senão a incapacidade de enxergar as coisas como deveria, demonstrada no mesmo, 'se' deu por falar da dor pela perda de alguém querido e não por outros motivos que a vida me deu.
Agora, mais lúcido, vejo que é mais importante celebrar o que se ganha do que mergulhar na melancolia produzida pela saudade. E aí vejo o quanto egoísta e injusto eu fui, ao questionar o que me foi tirado, deixando de lado o agradecimento por aquilo que a vida me presenteou.
Quando jovem, pueril, imaginava, na velhice, ser acalentado por "uma", não, mas cinco filhas. Era esse realmente o meu incipiente desejo! Por que cinco, não me pergunte, pois não creio que saberia responder. O que a vida então me reservou: veio o primeiro filho. Um MENINO! Tristeza, não, surpresa, sim. Explico! No início sentenciou um "médico": é uma garotinha! Às véspera, veio a surpresa: é um menino, vejam! Disse com mais convicção "outro médico".
Hoje sei que foi a melhor coisa que poderia acontecer na época, quem me provou isso foi o sentimento despertado por ele, meu filho!
Lá se foram quase dez anos, nem projeto de ampliar a família nós tínhamos mais. Estava certo, parávamos ali mesmo. Só que mais uma vez veio a surpresa: a chegada de outro filho. Inesperado, é a forma mais digna de retratar o que aconteceu. Eu não estava, confesso, preparado para ser pai novamente!
(...)
A partir daqui, minha filha, quero me dirigir diretamente a você. Queria que me entendesse e, ao mesmo tempo, você me perdoasse. De início, ao saber que iria ser pai novamente, senti como se fosse eu o primogênito e não o "pai". Ficava imaginando como seu irmão se sentiria com sua chegada: pensaria ele que iria perder o "lugar", que já era dele? Não sei, mas foi esse o primeiro sentimento que me ocorreu. Fiquei preocupado com seu irmão e, me perdoe, terminei sendo egoísta por isso.
Em abril de 2004, você nasceu. Desde fevereiro, no entanto, eu e sua mãe, além de aguardar a sua chegada, mergulhamos em uma luta para salvar a vida de seu irmão.
Minha filha, sentimentos mais conturbados tomaram conta de nós dois, eu e sua mãe. Será que você estava vindo, por que Deus estaria levando seu irmão?! Essa insegurança, mesmo tendo explicação na dor, não poderia ser maior do que a alegria de ver você chegando. Filha, me perdoe, naquela hora as sensações se confundiam pela luta inesperada que estávamos vivenciando.
Olha, seu primeiro nome - Maria - foi escolha minha, mas Clara foi sugestão de seu irmão. Daí ficou decidido seu nome seria Maria, por parte de seu pai e Clara, de seu irmão.
A vida, minha filha, não era nada fácil para nós todos. No dia em que você ia para casa, os médicos lhe internaram na UTI. Dois dias depois, sua mãe lutava, em casa, para superar o desafio de ter você na UTI e seu irmão, em outro hospital, internado para dar continuidade à luta pela vida dele.
Foi nesse instante que o desespero, quiçá a revolta, tomou conta de mim e eu questionei o porquê daquilo tudo. O que eu fizera para estar passando por aquela situação junto à sua mãe e ao lado de vocês dois?!
Nessas horas, minha filha, as pessoas nos chegam e dizem que Deus estava nos dando algo porque seríamos capaz de suportar. Mas, por que conosco?! Hoje talvez esteja começando a entender coisas que ignorava, porém ainda não sei que missão Ele nos destinou.
Em meio às idas e vindas aos hospitais, comecei a desfrutar a alegria de ser pai novamente. Talvez você nem lembre de forma consciente, entretanto eu a "colocava" para dormir, dançando suavemente ao som de versos que diziam que você era "Clara como a luz do sol / Clareira luminosa nessa escuridão / Bela como a luz da Lua". Essa seria a melhor descrição a ser feita da sua chegada!
Mas a vida nos reservava outras "surpresas".
Quando seu irmão terminou o tratamento dele, eu e sua mãe recebemos uma notícia inesperada - o desafio agora dizia respeito a você.
Em meio às lágrimas de sua mãe e ao seu inocente sono, eu falava que se era prova de amor que se esperaria de nós, a partir daquele momento ele seria ainda mais fortalecido. E foi!A partir daquele instante, minha filha, eu comecei aprender que o nosso amor não se reproduz em nós mesmos, mas no outro - desculpa por essa tentativa de filosofar.
O que se esperar de um pai numa hora dessas? Que ele seja digno de ser chamado de PAI! E se alguma vez me mostrei digno disso, só posso agradecer a você e seu irmão por terem me feito agir assim. Se hoje sou uma pessoa melhor, mas sensível a dor do outro, menos arrogante em achar que já sei o suficiente, menos orgulhoso de aceitar a ajuda de alguém, menos prepotente em achar que os maiores desafios são os meus, devo isso a vocês!
O mundo sabe, minha filha, é injusto para com algumas pessoas. Ele quer que sejamos iguais, quando na verdade somos todos diferentes. E assim, ele despeja todo o seu preconceito, a sua falsa e desprezível piedade. As pessoas só falam em amor, não agem movidos por ele. São hipócritas!
Você, minha filha, é verdadeira em seu afeto, é a superação de todos os limites que lhe impõem. Você é a prova mais viva de que vale à pena insistir, que a verdade não é finita nem se encerra no que se ouve.
Aprendi que não é você que tem que responder às necessidades do mundo, mas é ele que tem que corresponder a você. Não é você que tem que ser a filha que quero, sou eu que tenho que estar à altura de ser seu pai.
Obrigado, minha filha, por você ter dado a mim e a sua mãe a chance de aprendermos tanta coisa com seus exemplos de que não há limites para chegar aonde queremos ir, e por nos dar a oportunidade de sermos seus pais!
Você é especial, não por qualquer outro motivo, mas por você ser "MARIA CLARA"!
Muito obrigado por tudo, MINHA FILHA!
Marcelo Macêdo
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