O prazer de ler nos dá oportunidade de descobrir, às vezes em um simples momento, algo que nos é de grande valia. Só que ler é uma questão de atitude, não podemos esperar que os prazeres e saberes proporcionados por ela venham até nós, é preciso buscá-los onde quer que estejam. E foi em um desses momentos de procura pelo saber, que me deparei com um texto que me fez sentir a necessidade de refletir sobre algo peculiar: em que consiste o ato da fé.
Nesse texto, o autor fazia uma análise de sua vida. Dizia que havia sido, por um tempo, um homem ligado ao crime, tendo sido inclusive preso por isso. Contava que, quando criança, era levado por sua madrasta praticamente "arrastado" à igreja. E ao chegar lá, ouvia o pastor falar apenas de pecado e do inferno. Isso o fazia viver tomado pelo medo, sentindo-se tolhido pelo pavor do inferno e pela ideia do pecado. Confessa, ainda o autor, que se sentia incomodado por uma voz interior que o acusava de ser sempre "um pecador". Isso o deixava desnorteado e sem condições de combater essa ideia fixa de que estaria fazendo algo de errado.
Mais adiante em seu texto, ele dizia que "quando se incute na criança a ideia de que o homem é pecador, a sua vida fica arruinada", tendo sido essa a razão principal de tê-lo levado ao mundo do crime. O mesmo concluiu que, depois de algum tempo, ao descobrir algo que o levou a ter fé: "somente quando conheci realmente o amor de Deus, compreendi que o amor destrói conceitos errôneos; compreendi que o amor perfeito elimina todo e qualquer medo".
Diante do que li,comecei a refletir sobre que imagem de Deus nos é passada desde de pequenos. Lembrei-me de quantas e quantas pessoas me disseram que era errado fazer determinadas coisas, porque era pecado e pecando "Papai do Céu" iria me castigar. No entanto, não consegui recordar por que determinadas coisas que eu fazia eram erradas, sendo dignas de castigo divino.
Percebi, então, que a imagem passada para "meninos pueris", que fomos um dia, era de um Deus que pune o pecador e não o que lhe perdoa. E que nós, devido aos nossos erros - pecados -, não éramos dignos do paraíso. Queriam nos impor o MEDO a Deus, não o respeito e, muito menos, a fé. Não é por apreensão que devemos fazer o bem ao outro, mas por amor ou até mesmo por compaixão.
No entanto, com base no que me atrevo chamar de a "teoria do pecado" (do pecador), cheguei à conclusão de que o MEDO é uma das formas mais eficazes de se controlar alguém. Uma vez que é muito mais simples dizer o que é errado e o que isso pode trazer-lhe de punição, do que lhe dar autonomia de refletir sobre o que é correto ou não, dando ao outro o direito de decidir o que fazer.
É certo também que a autonomia incomoda àqueles que sentem receio de ver seu "PODER" questionado, suas palavras postas em dúvida. E essa situação faz parte do cotidiano em todas as esferas de nossas vidas, sejam âmbito profissional ou pessoal.
Sem querer entrar no mérito da discussão do livre-arbítrio do qual o homem seria ou não detentor, considero que uma decisão consciente é muito mais valiosa do que agir por imposição. Às vezes, relações estabelecidas com base no temor pelo outro, quando isso se dissipa, as mesmas chegam ao fim.
Por essa razão, crendo na imensa sabedoria divina, não acredito que Deus desejasse estabelecer uma relação de temor com o homem para obter dele o amor, a fé.
Talvez, se fôssemos nós seres mais conscientes e superiores, conseguíssemos viver segundo o preceito anárquico - segundo o qual a sociedade seria baseada na liberdade dos indivíduos, na solidariedade (apoio mútuo), na coexistência harmoniosa, da propriedade coletiva, da autodisciplina,da responsabilidade (individual e coletiva) e forma de governo baseada na autogestão. E aí sim, sem a imposição pelo medo, quem sabe se não seríamos capazes ter uma FÉ mais consistente e verdadeira do que alguns dizem ter, o que na verdade não passa apenas de falácia ou de modismo.
Seria isso uma UTOPIA?!