segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

À busca de respostas - II

Há muito tempo, um sonho sempre se repetia durante minhas noites. E o que mais me intrigava nele era que tudo se repetia nos mínimos detalhes. Se havia alguma coisa diferente entre eles, deveria ser tão sutil que nem percebia. A imagem nunca saiu de minhas lembranças, embora nunca tenha entendido o que ela queria me dizer.

Nesse sonho, eu observava um jovem sentado com uma garota deitada sobre suas pernas. Ele estava angustiado, porque a moça, que repousava apoiada em seu corpo, agonizava. A jovem parecia ferida, pois em suas vestes o vermelho-sangue predominava. O rapaz olhava para aquela situação resignado, acreditando que o destino já tinha sido traçado para ela, sem que ele pudesse fazer mais nada. Próximo aos dois, havia mais alguém. Hoje tenho a impressão que fosse uma outra jovem que se encontrava ali, mas não tenho convicção disso.

Diante daquela cena de sofrimento, mesmo sendo noite, pessoas andavam agitadas, ignorando o que se passava. Era como se nada demais estivesse ocorrendo. Para aquela gente a situação de desespero parecia ser algo comum. Eu, que assistia a tudo, nada podia fazer a não ser tentar compreender o que se sucedia naquele lugar.

O sonho se encerrava sem que soubesse qual tinha sido o fim daquelas pessoas, qual teria sido a sorte da garota e o destino dos demais envolvidos na história.

E era sempre assim, o roteiro se repetia sem alterações. Tantas eram às vezes que essas visões se sucediam durante minhas noites que nada era mais surpresa, eu sabia de cor o que iria acontecer. Entretanto, o sofrimento daqueles jovens e minha angústia de não poder interferir em nada, nunca diminuía.   

Com o tempo, esse sonho foi se tornando menos frequente, mesmo assim suas lembranças nunca saíram da minha mente. Se alguém me perguntar quando foi a última vez que tive esse sonho, não saberei dizer ao certo, só sei que já faz um bom tempo.

Uma outra coisa que chamava atenção era o fato de não saber quem eram aquelas pessoas, mesmo que elas me aparentassem ser conhecidas. Da fisionomia deles, não consigo lembrar, se é que algum momento consegui percebê-las de forma nítida.

Agora a pouco, para minha surpresa, o sonho voltou só que com uma roupagem diferente. Eu participava efetivamente de tudo e os envolvidos eram pessoas que conhecia perfeitamente.

Já não era noite, tudo se passava à luz do dia. Eu, acompanhado de uma mulher, observava de uma janela uma estrada, por onde viria uma garota pela qual nós esperávamos chegar. De repente, presenciávamos um terrível acidente, envolvendo a pessoa que aguardávamos.

Em meio àquela situação, eu saía correndo em direção aonde o desastre acontecera. Minha angústia era pelo estado da garota. O seu possível falecimento era o meu maior receio.

Ao chegar ao local, encontrei a moça caída sem sentidos. De início, tive a impressão que ela havia partido. Coloquei-a deitada sobre minhas pernas, certo de que o pior teria acontecido. Em meio àqueles angustiosos instantes, notei que ela respirava. Estava viva! O meu alívio me trouxe a felicidade de que não a perdêramos. A garota sobrevivera. O sonho terminou ali.

De início, não notei a possível  ligação entre os dois sonhos: o de outrora e o de hoje. Com um tempo, em um momento de reflexão, quando nosso pensamento voa, dei-me conta de que poderia ser o mesmo sonho, só que agora ele me parecia mais claro. Mesmo assim, não conseguia entender o que ambos queriam me transmitir.

Como se fosse uma trilogia, um dia desses, tive um outro sonho que não reproduzia a mesma cena, no entanto, passou-me a impressão que estava interligado aos demais.

Nesse último "capítulo", a cena também se passava à noite. Chovia forte, estava meio escuro, a iluminação não era tão boa assim. Eu não participava diretamente do que acontecia, mais uma vez assistia a tudo.

Em meio à escuridão surgia a imagem de um rapaz que carregava nos braços uma garota. Era como se eles tivessem vindo de algum lugar em que a moça se encontrava e de lá teria sido resgatada por ele. O mesmo parecia ser um pouco mais velho que ela, que tinha uma fisionomia ao mesmo tempo jovial e frágil. Quando a menina percebia que estava chovendo, ela questionou o rapaz sobre o fato de chover. Ele, tranquilizando-a, dizia que não havia nenhum problema. Andar na chuva parecia ser uma travessura sem riscos que os dois iriam praticar. Ela, preocupada com seu benfeitor, ao ouvir que a chuva não o incomodava, sorriu sentido-se ainda mais segura em seus braços. 

Observando os dois se afastarem pela escuridão daquela rua, algo me chamou a atenção e é aí que, para mim, está o principal momento que aquelas imagens me mostraram. O fato de ele ter dito a garota que a chuva era o que menos importava naquela hora e o sentimento de segurança que aquele gesto deu a ela, fez-me sentir o que de mais pleno pode haver entre duas pessoas. É algo que, por mais que me esforce, não consigo traduzir em palavras. Era um sentimento que mesmo sem saber descrevê-lo, tenho a certeza e a noção da plenitude daquele momento. Era como se os dois tivessem se transformados em uma só pessoa.

Acordei-me sem nenhuma angústia, muito pelo contrário. O que antes era dúvida, saltou diante de mim como a mais densa das certezas.

Hoje estou certo de que a razão das nossas ações não se traduz em nós mesmos, mas sim nos outros pelos quais fazemos alguma coisa. Além disso, passei a ter a noção de que, às vezes, o mais nobre dos sentimentos estar sintetizado no fato de abrirmos mão dele, sem nos prendermos apenas a nossa satisfação pessoal, individual. A grandeza desse sentimento se mostrou, aparentemente, de forma clara para mim, quando ele se traduz na renúncia ao mesmo. Ou seja, esse sentimento não acaba, se transforma.

Posso dizer, talvez, que pude perceber o valor das pessoas que fazem parte de minha vida de uma maneira mais profunda. Descobri que não abro mão delas por nada, que o amor que tenho por elas é maior do que a minha satisfação individual. Que a essência do mais nobre dos sentimentos está na mesma proporção do desprendimento que temos acerca das nossas próprias individualidades. 

Se essa é a derradeira leitura que faço do que seria o verdadeiro sentimento pelo outro, não posso afirmar, pois a vida a cada momento nos faz ver as coisas de forma mais nítida. E esse processo de amadurecimento nunca se encerra para nossa sorte, ele é contínuo e processual.

Por fim, se há algo a mais em meus sonhos, não sei (ainda). Por essa razão, é que esse é mais um questionamento para o qual ando à busca de resposta.

Marcelo Macêdo  

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